sábado, 25 de fevereiro de 2012

UMA MÚSICA, AQUI (de Marcos Salvatore)


- Pediu uma música, aqui

E eu vou tocar.

Qual é mesmo o nome da música?

- “Ela me deu um beijo na boca”.

- É sobre algum beijo especial?

- A respeito de um caso mal resolvido, estilo Woody Allen.

Parecido com um vazio,

Daqueles cheios de falta de culpa da libido.

- Está difícil para cachorro essa passagem.

- Nem tanto. Só precisa de improviso e vontade própria.

- O que você já tem escrito?

- Só o estribilho. O refrão.

- Só a monotonia.

- Sim. Se repete toda vez que alguém se apavora.

- Sobre o quê fala?

- De mim, de você, de tudo que está aí.

- Não sei tocar assim.

- Pode tentar, está quase pronto.

- Qual é o tom?

- Sol.

- Sustenido, bemol?

- Não. Inteiro.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

MEIGA ADORARIA ESSA (de Marcos Salvatore)

by Oliviero Toscani

Isto é uma alegoria disfuncional. Não vale um Carnaval. Mas, gostei da proposta dada pelos amigos do Recanto das Letras "Como não dizer nada em duas ou três páginas".

Penumbra acelerada: algumas taças de vinho; alguns maços de free; fósforos (isqueiros são puro baixo astral); 1001 discos; transe de xamã vagabundo... e a psicografia começa para ver nascer uma coisa nova - sem árvores de natal, nem carnaval enlatado: apenas o prazer de me deitar com umas tantas palavras sem valor.

“Tínhamos o acordo de nunca foder com carinho”: Começo assim? (...) Tudo bem, vamos lá.

- Eu te amo

- Então não use isso contra mim. Não consigo respirar sabendo disso.

Preciso conter a vontade de contar a verdade de acender um atrás do outro. Ou melhor: preciso perder o medo de fumar maconha. Continua assim:

- Às vezes sei quem você é... ou, nem sempre...

Não quis terminar a frase com o puro propósito de irritá-la. Não conseguia tirar daquela mulher uma única palavra que não fosse de uma impessoalidade brutal. Não conseguiu. Mas a amava.

Olhou para ele sem transição, mascando um chiclete para tirar o hálito de gala deixado pelo clímax das duas horas e pouco de massagem corporal. Levantou as mãos como se fosse reger uma orquestra imaginária de filhos-da-puta, depois escreveu um “E o Kiko?” no ar. Com a esquerda, em um movimento corretivo, limpou um pouco de batom em seu pescoço.

Péra, lá. (...) Depois dessa ele tinha a obrigação de reagir. Mas, com ela o buraco era mais embaixo: Devia-lhe obediência como diretora. Conteve-se, afinal. Limitou-se a apontar para a porta.

Já sei: Está me pedindo para ir embora, certo?

(...) Vou dar um mijão e já volto com o final...

(...)

Meia-noite. Meu celular diz que minha ex mulher me ligou, minha filha me ligou, meus sobrinhos me ligaram, minha irmã chegou de viajei e também está na minha captura. Por que ninguém me liga pra dizer: - Escuta aqui, ganhaste mil fodas grátis na Locô! Tens até o final das férias para resgatar o prêmio.

Férias é o c..., ainda estou me procurando, pedaços de pessoa espalhados pelo quarto... “por aí” quer dizer a porta de entrada para todas as saídas.

Em seguida ele foi, pelado, até a geladeira e sentiu o frio encolher seu saco de bagos. Bebeu na boca da garrafa o pouco de champagne que restara das preliminares:

- Me desculpe, só queria te fazer sorrir. (Mentira!) Você me perdoa?

- Tal e tal. Precisa aprender a chupar melhor. Sua língua fica procurando o quê afinal de contas?

Meu passado e meu futuro sempre vão estar no rosto de uma mulher – ele pensou. Era um cara do tipo fleumático, cardíaco, tudo o emocionava, levava à sério até um bom dia meio atravessado.

Tinha uma necessidade absurda de dizer coisas do tipo “Você tem uma nudez inquietante”, ou “meu nome não está longe da sua boca”.

Pobre rapaz.

Uma semana antes de mata-la...

(...) Perdão, estou me adiantando.

O caso é que, apesar de ser uma amante sedutora e viril, e de deixa-lo cada vez mais dependente, sua independência o humilhava de uma forma insuportável.

Quando saiam e ela simplesmente tirava a nota da bolsa (na frente de todos) e passava para ele pagar a despesa do restaurante, cinema, teatro, o que fosse, ele se consumia em uma vergonha demoníaca. Fantasiava sua própria morte nos poucos momentos de solidão que ela lhe dava. Seu sonho mais recorrente era o de que se matava e acordava dentro do caixão, sendo enterrado, ouvindo o impacto das várias camadas de terra sobre ele, e...

- Seu Salvatorê?

(Opa, só um instante que minha vizinha está na janela me pedindo para desentupir sua pia. Volto num minuto. Deixo vocês com a Senhora Edith Piaf, versão ao vivo, sem overdubs).

(...)

Agora.Depois desse luxuoso interlúdio musical preciso dizer que ele sempre acordava chorando depois de tantos pesadelos. Sentia-se cada vez pior.

Um dia, enquanto ela dormia, não sei se a primeira coisa que notou foi sua maquiagem borrada ou se foi o profundo cheiro de sangue podre que exalava dela.

(Porra. Esse não era o tipo de história que eu queria: queria algo mais admirável e sério. Palavra. Porém, é assim que algumas coisas são. Existe nudez em tudo que escrevo)

Disse em seu ouvido: - Quer saber como me sinto?

- Não perguntei, mas, vai lá.

- Por que diria a você?

(Uma mulher distribuindo bíblias acabou de me deixar duas. Gostei da tia. Podia jurar que ela estava esperando que eu a convidasse para entrar).

Sua resposta foi provocativa, desconcertante:

- Traz o prestobarba que enquanto eu durmo quero que você me raspe. Mas não me acorda.

Diabólico, não?

Queria entrar nos pormenores do crime, talvez um pouco mais do julgamento e de como ele se safou de trinta anos de cadeia, mas, não vale à pena. Vale?




domingo, 12 de fevereiro de 2012

TOMARA QUE CHOVA (de Marcos Salvatore)


by Arthur Fellig Weegee

Ih, rapaz! Fevereiro!

Ontem, eu falando disso, lembrei do inferno. Faço trinta e cinco próximo dia vinte e dois. Férias forçadas, em protesto.

E eu nasci num pé d’água, sumano! Ia pra rua pegar chuva e mulher (quem me dera dançar). Não posso deixar de gostar da folia, embora ache, sinceramente, de um baixo teor energético desgraçado.

Nasci numa manhã de desfile chuvoso, na cozinha da casa da Vó, no bairro do Telégrafo sem fio (sempre achei a parte do “sem fio” genial), entre a margarina e o chibé. A Beija Flor assumia a avenida. Ganhou.

A história é quase um samba de terreiro:

Rua cheia até o joelho, tiveram que chamar um estudante de medicina para fazer o parto: o Vavá (saca só o nome do “elemento”). Dois tios, que vararam a madrugada na farra, foram chamados às pressas para comprar uma injeção de sei lá o quê, estavam vestidos como Dzi Croquettes e voltaram horas depois mais bêbados do que antes, tropeçando um por cima do outro, pois paravam de bar em bar comemorando. Ao passar pela Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro não deixaram de fazer um bom e velho sinalzinho da cruz.

Família nervosa e eterna, chegada em farras com consequências diabéticas, mas nasci e cresci na boa, rodeado por figuras raras. Moleque tímido e romântico (punheta pra burro), não demorei para perceber que os corpos femininos eram delicadamente intrigantes, e sangravam, por isso me apaixonava por todas as mulheres que cruzavam meu caminho (ainda hoje é assim: toda mulher está nua). Aprendi a ler e escrever com gibis e revistas pornográficas (um dos meus tios era hippie). Brechava minhas vizinhas tomando banho, mas já falei sobre isso.

Primeira foda com uma balzaquiana abusada, adivinhona; foi cedo, doze para treze: meu primeiro par de rabo. E ela adorava me ouvir falar de sacanagem: - “Sei porque me deixa te lamber todinha, porque sempre volta”.

- Soca, soca! Dá-lhe nesse bucetão quente!

Isso não é nada. Gostava mesmo era de ensinar (me ensinou a ensinar), e me mostrou quase tudo sobre diminutivos e maiúsculos. Sobre como assediar por entrelinhas, sem ninguém perceber. A enfiar o pau com paciência e movimento. A como valorizar uma fêmea, vivendo um por um dos seus gemidos inventados. Vizinhas sempre fodem com mais raiva. Sabe Deus o porquê.

Curso intensivo, sabe como é: o serviço tem que ser completo mais o de ganho, depois ó... melhor tirar o time de campo e pegar o beco que o bode é tremendo.

Sou alcoólatra (ou penso ser), viciado em nicotina, viciado em roer as unhas (corniocófago), viciado em cafeína e tenho uma neura tão filha da puta, que chego a quebrar espelhos sem medo de crendices.

Odeio discussões berrantes, mas alguns amigos precisam sempre se afirmar, então, a gente perdoa. Acho bem melhor ficar sempre de boa.

Não escrevo nada há vários dias. Ou pior: escrevi, mas aquilo não vinha de mim – vinha de outro lugar. Vinha da rua, que não tá brincadeira.

- Vinho é para o frio, minha filha. Sua chegada demorou e agora eu tô de novo por aí.

Sinto que cada pessoa que mato em meu coração leva com ela para o purgatório um pouco da paz das quartas-feiras de cinza. Pouco me importa, o amor é o que foi feito por ele.

Pois é, e, hoje eu tô aqui no Bornal para escrever com um pouco de truque. Tô publicando meus lances, aí. Me faz bem, me dá uma liga e ajuda na diminuição das paranoias da vida.

Hum. Não era nada disso que eu queria dizer. Em todo caso, os contatos afetivos andam em promoção. Calor humano é um luxo, mas tem roupa na corda. Só espero que o tempo lá fora melhore.
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