quarta-feira, 3 de novembro de 2010

MONO (de Marcos Salvatore)

by David Sweeney

Atravesso a rua para ler melhor. A placa diz: “Abraços grátis”.










“Abraços grátis” ouço. Alguém dançando. Aqui, ali. Abraçando os transeuntes.
Preciso ficar mais um pouco. Me acostumar com a idéia de também precisar de um abraço. "Eu também quero".
Uma dançarina de Butoh: dança da sombra.
Precisava de mais. Sempre as danças orientais de um dramaticidade ao mesmo tempo bela e delicada.
Batí um fio pra minha irmã. Ela me disse que tem uma professora chamada Maria Delícia. Nome de margarina. Também erótico, relaxante. De Lupanar luxuriante.
Tenho uma tia que chama a todos de “Culhão”.
Um tio cujo apelido de porre é “Mato Fino”.
Um primo que odiava que o chamassem de “Saia Velha”.
Outro Tio que chama meu primo Leonel de “Luner” – meu irmão chama ele é de “Cú”.
A Mãe-Vó dizia sempre: - “Desconjuro!”.
Linda a minha Vó: à noite, quando faltava energia, a gente corria pra rua, atrás dos vagalumes. Tentem imaginar uns trinta moleques da pior espécie e caráter procurando. Trazia pra ela e sempre ouvia uma história diferente de prêmio. Uma foi de um cara que se apaixonou por um braço, numa estação de trem. Ficou tão obcecado que correu atrás de informações, conheceu a família e tal. O Pai ainda perguntou: - “Tem certeza? Não quer conhecer primeiro? Depois não tem volta, não. Ah, isso não”. Casou-se sem avaliar a figura, nem os riscos. Agora, adivinha? O braço era realmente lindo, mas a dita cuja era feia de dar nó. Porém, uma criatura de alma pura. Apaixonou-se com loucura pelo pobre diabo arrependido. Conseqüência: quando ele bebia, batia nela, batia tanto que um dia ela não se mexeu mais, devido a um pontapé na cabeça, ficou lá em contemplação estática, olhando para ele... enamorada.
Mesmo tendo vindo de tão longe, aquilo me trazia de volta: “abraços grátis”. Proust poderia me ajudar agora. Nelson Rodrigues dizia que certos sentimentos são anteriores a sí mesmos.
Podia jurar que bastava dobrar a esquina para descobrir porque me tornei tão insensível. Quando? Todo mundo nasce com um dom. Tem talento pra alguma coisa, não é? Está certo?
“Abraços grátis”. Faz tanto tempo.
Tenho estado ocupado. Sem tempo pra nada. Nem ninguém. Tem uma porção de coisas que eu nunca vi, nunca tive:
1) Um pôr-do-sol de mãos dadas;
2) Um filme mexicano com tequila;
3) O amor de duas irmãs. Sexo com duas irmãs;
4) Ganhar na loteria - jogo do bicho também serve, vá lá;
5) Plantar uma árvore;
Coisas assim. Mas isso é canja. “Maria Delícia”, vejam só. Isso sim, é algo difícil de se ver todo dia.
Não sei o que me deu. Tirei os sapatos, desabotoei a camisa, joguei para longe o relógio. Meus bagulhos se espalharam pelo chão. Corrí para o abraço - talvez um beijo.
Cheguei bem perto dela. Devagar. Por um momento eu quase...
Aplausos. Aplausos. Todo mundo contribui. Eu também. Mas junto minhas coisas. Ninguém me percebeu. Ainda bem, ainda bem.
Onde o meu ego está quando preciso dele? Deve estar violentando a minha cara de pau, numa casa abandonada, num terreno escuro e baldío.
Antes de dobrar a esquina fico tenso. Eu sei. Era ela, olhando pra mim.

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