by Mary Ellen Mark |
Isto
é uma alegoria disfuncional. Não vale um centavo. Mas, gostei da proposta.
“Tínhamos o acordo de
nunca foder com carinho”: Começo assim?
(...) Tudo bem, vamos lá.
- Eu te amo
- Então não use isso
contra mim. Não consigo respirar sabendo disso.
Preciso
conter a vontade de acender um atrás do outro. Ou melhor: preciso perder o medo
de fumar maconha. Continua assim:
- Às vezes sei quem você é...
ou, nem sempre...
Não quis terminar a frase
com o puro propósito de irritá-la. Não conseguia tirar daquela mulher uma única
palavra que não fosse de uma impessoalidade brutal. Não conseguiu. Mas a amava.
Olhou para ele sem
transição, mascando um chiclete para tirar o hálito de gala deixado pelo clímax
das duas horas e pouco de massagem corporal. Levantou as mãos como se fosse reger
uma orquestra imaginária de filhos-da-puta, depois escreveu um “E o Kiko?” no
ar. Com a esquerda, em um movimento corretivo, limpou um pouco de batom em seu
pescoço.
Péra,
lá. (...) Depois dessa ele tinha a obrigação de reagir. Mas, com ela, o buraco
era mais embaixo: Devia-lhe obediência como diretora.
Conteve-se, afinal. Limitou-se a apontar para a porta.
Já sei: Está me pedindo para
ir embora, certo?
(...)
Vou dar um mijão e já volto com o final...
(...)
Meia-noite.
Meu celular diz que minha ex mulher me ligou, minha filha me ligou, meus
sobrinhos me ligaram, minha irmã chegou de viagem e também está na minha
captura. Por que ninguém me liga pra dizer: - Escuta aqui, ganhaste mil fodas
grátis na Locô! Tens até o final das férias para resgatar o prêmio.
Férias
é o c..., ainda estou me procurando, pedaços de pessoa espalhados pelo quarto...
“por aí” quer dizer a porta de entrada para todas as saídas.
Em seguida ele foi, pelado,
até a geladeira e sentiu o frio encolher seu saco de bagos. Bebeu na boca da
garrafa o pouco de champagne que restara das preliminares:
- Me desculpe, só queria
te fazer sorrir. (Mentira!) Você me perdoa?
- Tal e tal. Precisa
aprender a chupar melhor. Sua língua fica procurando o quê afinal de contas?
Meu passado e meu futuro
sempre vão estar no rosto de uma mulher – ele pensou. Era um cara do tipo
fleumático, cardíaco, tudo o emocionava, levava à sério até um bom dia meio
atravessado.
Tinha uma necessidade
absurda de dizer coisas do tipo “Você tem uma nudez inquietante”, ou “meu nome
não está longe da sua boca”.
Pobre rapaz.
Uma semana antes de
mata-la...
(...)
Perdão, estou me adiantando.
O caso é que, apesar de
ser uma amante sedutora e viril, e de deixa-lo cada vez mais dependente, sua
independência o humilhava de uma forma insuportável.
Quando saiam e ela
simplesmente tirava a nota da bolsa (na frente de todos) e passava para ele
pagar a despesa do restaurante, cinema, teatro, o que fosse, ele se consumia em
uma vergonha demoníaca. Fantasiava sua própria morte nos poucos momentos de
solidão que ela lhe dava. Seu sonho mais recorrente era o de que se matava e
acordava dentro do caixão, sendo enterrado, ouvindo o impacto das várias
camadas de terra sobre ele, e...
-
Seu Salvatorê?
(Opa,
só um instante que minha vizinha está na janela me pedindo para desentupir sua
pia. Volto num minuto. Deixo vocês com a Senhora Edith Piaf, versão ao vivo,
sem overdubs).
(...)
Agora.
Depois desse luxuoso interlúdio musical preciso dizer que ele sempre acordava
chorando depois de tantos pesadelos. Sentia-se cada vez pior.
Um dia, enquanto ela
dormia, não sei se a primeira coisa que notou foi sua maquiagem borrada ou se
foi o profundo cheiro de sangue podre que exalava dela.
(Porra.
Esse não era o tipo de história que eu queria: queria algo mais admirável e
sério. Palavra. Porém, é assim que algumas coisas são. Existe nudez em tudo que
escrevo)
Disse em seu ouvido: - Quer
saber como me sinto?
- Não perguntei, mas, vai
lá.
- Por que diria a você?
(Uma
mulher distribuindo bíblias acabou de me deixar duas. Gostei da tia. Podia
jurar que ela estava esperando que eu a convidasse para entrar).
Sua resposta foi
provocativa, desconcertante:
- Traz o prestobarba que
enquanto eu durmo quero que você me raspe. Mas não me acorda.
Diabólico,
não?
Queria
entrar nos pormenores do crime, talvez um pouco mais do julgamento e de como
ele se safou de trinta anos de cadeia, mas, não vale à pena. Vale?
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