Se conheceram num desses bares descolados, cheios de gente antenada, confiante, falante, que só. Um cigarro os ligou: mesma marca despintada. Depois de vários vintes, vários clichês; partiram pra verdade: divórcio, insônia, destempero, solidão, abandono, desespero. É curioso notar como a neura só afeta os não neurados. Os paranoicos assumidos podem se curar em reciprocidade; foi o caso deles. Ninguém nunca os convidava pra sentar, pra conversar. Eram personagens de si mesmos, fantasmas camaradas, sombras sorridentes. A simpatia não é moeda de troca; conclusão deles. Aquele trago os ligou. Depois temos as mãos entrelaçadas: motel baratinho, ali atrás da rodoviária, sem janela, sem ar condicionado, só um vitrô – ficaram olhando os fios elétricos. Depois do lanche, contaram seus trocados pro quarto. Olharam seus corpos: pernas, braços, bundas, seios, genitália desnuda. Depois dos trinta aprendemos a valorizar a voz, perceberam. Fizeram amor tão gostoso, com tanta sacanagem, que deixaram escapar as últimas armas. Palavras. Ah, palavras, sim, deixaram escapar um pouco daquilo ingênuo e doce, porém embrutecido pelo tempo, por todos. Não se pouparam. Há tanto tempo não conversavam com ninguém, que as sílabas se atropelavam, ansiosas que estavam por reconhecimento, compreensão, empatia. Amor de novo. Dessa vez brincaram mais, descobriram mais, sentiram mais, depois choraram abraçados, num choro rude, oprimido, recalcado, arrependido, mas esperançoso. Resistiram. Disseram. Não tinha mais volta. Entraram na van, cochilaram nos ombros um do outro, depois desceram na BR, andaram muitas e muitas quadras mal iluminadas. Ela ficou no portão, esperando que ele prendesse o cachorro. Uma sala, dois quartos, copa, cozinha, banheiro, janelas, pia pra lavar as mãos. Fechou a porta do quarto e antes da primeira de todas as noites, ela disse uma coisa que eles nunca mais esqueceriam:
- Por isso, aqui estamos, depois de tantos finais felizes.
Escrito no balcão do Boiúna; mesma data.
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