Raymond Depardon |
Quase acordo com uma ligação do
Fabio, um dos meus companheiros de pena. Não percebo um corpo ao meu lado, nem
os seios imensos, nem seu ronco alcoolizado. Não consigo atender de tão bêbado.
Não retorno, pois estava sem crédito (como sempre).
Um detalhe sobre o Fabião, é que
ele é como um protetor de todos nós. Supra sumo do bom sujeito. A benção, meu
irmão.
Tentei lembrar como consegui voltar
pra casa – fiquei devendo um conto pro Maurão, mas amanhã eu pago. Ontem ganhei
um “protetor auditivo em tamanho único”. Foi a primeira coisa que ganhei de uma
aluna em tanto tempo. Ainda não sei pra que serve - deve ter sido uma indireta,
pois vinha com uma camisinha de brinde. Aposto que vocês pensam que eu vou
descrevê-la como um negocinho; pois é, não vou (mas que ela tinha um par de
coxas... hum! Isso ela tinha).
Cada presente é uma coisa qualquer
que não conheço, que me confunde. É um momento do avesso. Tenho uma timidez
agressiva. Mas como eu dizia:
Ônibus vazio. Eu, eu mesmo e a mim.
Motorista, cobrador. Uma mulata “boca de ferro” subiu no ponto seguinte. Sentou
ao meu lado, mesmo existindo lugares vazios à vontade. Lentes de contato,
cabelo loiro, unhas grandes (duas quebradas), pintadas com árvores de natal.
Tento dormir, mas o perfume
amanhecido não me deixa. Um cheiro de suor velho exala dos seus peitos
generosos. Os bicos profissionais só faltavam furar a blusa - quando eu era
moleque, transei com uma coroa parecida com essa, que bebia perfume quando
estava na fissura. Chupava por cinco contos (xota era quinze); promoção de
feriado: “barba, cabelo e bigode”, vinte e cinco pratas. Toda vida se engasgava
com porra. Trepar com ela era chocante: meu pau sempre ficava com um cheiro de
alfazema ou jasmim.
Antes, no bar, me toquei que já
eram três e vinte: - “Preciso estar no trampo às oito”. A embriaguez é um coito
sem ejaculação. Acho mesmo que, de vez em quando, eu recomeço o recomeço disso.
Vai ser vagabundo assim na puta que o pariu!
Uma moça (linda, linda), se
aproxima e me pergunta: - “Aquilo que você escreve. É tudo verdade? É mesmo?”.
Também gostaria de saber. Tenho andado sem controle sobre isso.
Não tenho
tempo de responder – nem tempo de decidir se queria responder, pois ela logo em
seguida me pede: - “Escreve pra mim? Escreve?”.
Pego um lenço de papel e escrevo:
“Tenho precisado de alguém pra dividir um cigarro, uma guimba, um pouco de
vida... um prato de comida”. Assino e entrego. Vejo seu colar e me lembro dos
monges que colocavam imagens do Buda dentro de ostras.
O Marlon sempre dá o gancho:
Política, poesia, cinema, putaria - que bom que a gente se entende. Bernardo e
Heloísa também foram mencionados. Esse cara é um Augusto dos Anjos com melhores
modos.
Tenho fé nos olhares tristes de
quem nos percebe tão sem nós pra desfazer. Seja quem for, mal sabe dos nossos
dias partidos. Queria muito ter um sorriso generoso, como o do meu Brôu
Maurício. Sempre de bem com a vida e com todos.
Bar da Toca outra noite: mesa
cheia, som, amigos – um casal valsa ao som de músicas tristes. Olho para eles -
olho bem para eles. O amor é gerado por cenas como essa. Não deixo de me
perguntar de onde venho, onde estou. Me visto com os andrajos de uma vida
baldía. Temo o frio e o calor em demasia. Por isso bebo só pela fantasia.
Vítima espontânea das tatuagens feitas por cima das camisas.
Sentia falta de mijar fumando –
miro o jato quente num pentelho abandonado: “Errei, porra!”. Associo sensações
parecidas: mijar, cagar, espirrar e gozar. Tive uma namorada que era doida pra
me ver cagando:
- Amor?
- Tem gente. Que foi, porra?
- Ah, me deixa ver se afunda ou se
fica boiando. Só um pouquinho, vai?
- Inferno! Sai de trás da porta,
mulher! Que novidade é essa, porra?
Filha da puta fazia de propósito:
deixava a porta aberta, insistia, insistia, me forçava a ver, até que, por fim,
aquiesci a seu alternativo plano de realidade. Um amor fecal, desinibido,
despudorado, despecado e alegre. Um dia ela tentou me matar. Mas isso não
interessa. Por isso sou fã de Nina Simone. Não sei falar sobre isso.
Quando descemos o túnel do
Entroncamento (que merda!), a Rê Bordosa ao meu lado resolve desmaiar e babar
no meu ombro. Senti meu porre triplicar nessa hora. Antes disse: - “Me leva pra
casa contigo, Bem? Me deixa te chamar de Bem?”. (...)
Tentei lembrar da farra:
Não é
difícil amar a rapaziada do bar: todos eles chovem, fazem sol. Tenho a
impressão de poderem fazer crescer pernas, braços e olhos num pedaço de pão
mofado: - “Com memória afetiva não se brinca”, já dizia a Eva.
Lembrei de um sabonete que, segundo
as informações de embalagem, “tirava o medo”. No verso, um detalhe “de foder”:
“Essência sólida só para queimadores”. O Renato achou genial. Quase compramos,
mas os trocados só davam pro cigarro, então, entramos no carro conformados e
saímos cantando letras erradas dos Beatles.
Grande Aloísio. Tem uma camiseta
mágica (lembrei agora do flautista mágico), a que só usa quando está a fim de
aprontar. Uma camiseta que enlouquece as mulheres em volta. Certa noite o The Beatles
quase fechou por causa dela.
Caio da cama com um
cutucão da Rê Bordosa. Olho assustado e ainda a vejo coçando os pentelhos com
uma das unhas quebradas. Engatinho até a porta. Entro no banheiro, me ajoelho
em frente ao vaso sanitário e, antes de rezar... choro.
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