quarta-feira, 30 de novembro de 2011

ENXOFRE CORROSIVO EM ÓLEO ISOLANTE (de Marcos Salvatore)

“Você é o que a sua cara diz ser...” penso nisso antes de notar  que o horizonte vinha conforme o vento forte, minha guitarra e uma amiga morta de vontade de brincar de tocar.
Tenho pensado em mim acompanhado por mim, como uma outra pessoa que a tudo combate. 
Mas isso é outra história.
Paramos num posto conhecido, rotineiro mesmo, e com cinco reais pedimos dois cafés e dois pães com manteiga.
Sucessivos títulos para uma nova canção me inebriavam.
Sempre penso melhor quando ando, quando me movimento.
Sexo me faz pensar.
Ouso mesmo dizer que o orgasmo é uma espécie de explosão de pensamentos - sensações são outra história.
Cagar, mijar, espirrar, sapatear com sapatos apertados.
Quando você tem simultâneas mudanças de casa e de cama, se acostuma a comer mal.
No ar ainda o som dos gritos e aplausos, os pratos da bateria, o grau do baixo, eu acho até o meu delírio.
Curiosamente nos pagaram nesta noite - bebemos, fumamos, mesmo a mais remota lembrança de Leila me enchia de culpa.
Até esqueci de ter fome... respirar eu nem me lembro mais.
Quantas vezes grifei essa palavra pelos livros encontrados da vida, esse nome assessor de depressões monumentais?
Assim é ralado – eu penso, tá russo!
Acho bom que o meu amigo, aqui, não vomite no balcão, melhor lá fora, senão a gente pode entrar em fria ou em cana.
Não posso contestar minha atual situação, posto que lutei por ela, método a método: mais de trinta guardados em sigilo... de alto a baixo.
(...)
Olha!
(...)
Uma mãe dançando com o seu bebê, em plena rua, dançando com o seu bebê!
(...)
O meu pau ainda lateja perto de você!
(...)
Olha pra mim!
(...)
A simplicidade guarda desidratadas surpresas, apenas visíveis a olho nu, completamente nu.
Nu, como um primeiro beijo.



terça-feira, 29 de novembro de 2011

ONDE A DOR (de Marcos Salvatore)


Escrito para a banda Presságio, 2008-2009

É normal se sentir assim
Sozinho nos momentos mais difíceis
Querendo a presença de alguém
Procurando um lugar onde a dor não doa tanto.

E você olha em todas as direções
E todos estão tão ocupados,
Tão vivendo as suas vidas
E as portas estão abertas,
Mas não há janela pra pular.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

LUZENTE (de Marcos Salvatore)

by Sarah Moon


não fica assim
meu amor
pra quê isso?

pega leve
vai devagar
vai ficar
tudo bem catalogado

inflado de ego

pelo tom de voz
pela coriza do choro
lágrima escorrida
da boca pro queixo

tão mudo
quanto o criado
e sua
primeira gaveta

que se dá contigo

me dá só um motivo
uma desculpa, tudo
- para com isso
me dá, deixa de graça

eu largo tudo,
eu só lamento, eu admito
ou quase tudo

eu também minto
eu sou cínico
mas também único

boa praça, boa intenção
um bom vilão da zombaria

- tenho teias espalhadas por aí.

daqui à pouco tem lua
de novo
uma vez mais
vai ser tudo, tudo de novo

duas, três, quatro vezes

indo à procura
de uma letra que ficou sem refrão
de alguém que ficou pra trás

tudo em cima

agora
dá um tempo
um aviso que seja
pra eu gostar também

já que parou de doer

a gente vai conseguir
já deu pra dar o recado
já deu pra saber
já deu, meu amor
você vai ver


LESTE (de Marcos Salvatore)

by Jacques Henri Lartigue

nada há vários dias...
então fiz o que pensei ser verdade:

calcei as sandálias
e fui atrás do antigo percurso

revide brutal e inútil
à favor de algo parecido
com sair do lugar

apenas... deixar-me atrair
por uma esquina
depois outra

semelhante a notar
meio curioso
o andar de outro semelhante

outro humano
janelas num firmamento predial
calçadas
um oeste de longos cabelos

tempo de existência singular, alegórico
em que o uso das pernas
é a engrenagem rudimentar
de um fato corajoso e ingênuo:

“ir”
jamais tornar
apenas...
ir, arriscar

me faz lembrar que tenho umbigo para olhar
que o coração tem que bater
e que a lama que escorre do peito
é de suor e poeira

sou um mudo, um refratário
cada pessoa é outra cidade pra mim

até correntes de ar me fascinam
casas de madeira
vizinhas e tias
catadoras de lêndeas

música estrangeira

mas...
se a manhã continuar assim
sobre a luz, sobre mim
posso errar o caminho

e dar de cara com a idade
e com a perda de Deus
e o ganho de peso ocioso, pensativo

e lembrar que também já me perdi
e depois de perdido me lembrar
que já não vivo mais aqui
que me perdi enquanto esperava

e perdido estou
internado na largura
do outro lado da rua

árvores, anúncios e brigas
passadas amarguras

paro pra comprar um livro no sebo da esquina
uma chorada pra morrer nuns cinco contos

edição de bolso, excessiva
narrativa de foder com a alma
de não se arrepender

depois...

malas prontas
livres

delegacias
livres

palavras cruzadas
livres

anteontem
livre

muitas vezes
livre

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

bomba h (de marcos salvatore)



“e o menino rebelde
oprimia a família”

não o contrário
tá entendido
mas... como poderia eu
tê-lo visto, se
atravessei calmamente as ruas
sem olhar para os lados?
na falta de ter o que fazer
percebia em mim mesmo
um olhar de longe, desconfiado
olhando pra mim
como se o que fora percebido
fosse um pedaço meu a declarar guerra
contra a cabeça, o tronco e os membros
e entre nós
restando apenas
pensamentos livres
a hora e a estação
ou, um esquecimento falsificado
(...)
difícil tocar qualquer instrumento
faz tanto tempo
com ele faz tanto tempo
ouço, eu sei
por aí, dizerem
dois
delta do rio habitual
resume meus canais e braços
e
ao longo das margens de lama
perdoa as deformidades recentes
desse temperamento pisciano, ainda... sempre
(...)
nada mais lindo que uma mulher dizendo “sim”
noto isso como uma lembrança do que sempre percebi
sem realmente perceber
acho que observamos as coisas que desejamos observar
e eu minto e digo a verdade
quando me convém sou um cretino total
como todo mundo
uma bomba h
um selvagem humorístico, nada trivial
um cruel, um apático insano
deslizando de braços cruzados pelas esquinas
da enfermidade
escrevendo textos feitos de títulos
histórias ridículas
anotações
em toda parte
meio ensurdecido porque pensa demais
como essa poesia completa
pronta para alguém
pra se perder por ela
(...)
uma meta:
única,
viver pra caralho!
depois reescrever alguns bebops dos primórdios
até imaginei
bastante sempre
sabe como é...
ao som de sentimentos audíveis
anteriores, posteriores
âncoras intensas
para corações imensos
de uma timidez agressiva
o resto você sabe
imaginei
a retidão... meu pau penetrando
não apenas “bocetas” e rabos
mas adquirindo vida própria
consciência de pernas e braços
todos os sentidos
dizendo: “eu te amo”
pra você, que é cega,
todos os dias
(...)
e me dá raiva
me deixar fazer isso
como um maníaco expressivo
como uma pergunta
estampada na cara
que cruza todos os mares
(...)
pra cada um é uma coisa
aqui eu não sei
faço questão de diferentes cortes
na carne
manipular a carne
tratar disso
faz toda a diferença
aí alguém ainda se vira e pergunta
ainda pergunta:
posso ajudar?
e eu digo, bocejando:
- não me faça perguntas difíceis.


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