terça-feira, 31 de julho de 2012

PORRE DE ONTEM BLUES (de Marcos Salvatore)

by Jan Saudek




minimize
minimize a cada dia,
mês e ano
a sua fome, a sua carne

muitos bares não são raros
nos dão a elza e o Raul
ficam os calos
uns leves trocados

agora eu pago o preço
daquela falta que a gente marcou
hum, meu bem, um bocado
você bem que tentou me passar tantas pernas

quero aquele gozo de volta,
que rolava firmeza, bem no começo
as gírias, os backs, as pipas
um tcc baseado nas carreiras de tosco desejo

cantando um som de obcecado, de louco
música do avesso, ilegal
as estrofes e as rimas berradas
nesse famigerado blues, refestivo

baixo astral
reticente recomeço
madrugadas e esquinas
nenhum amigo

é claro, é claro
eu sei bem disso que eu já sou
estou tentando me largar, sem levantar, sem reagir
pra você tropeçar, me ferir

jogar um trocado


segunda-feira, 30 de julho de 2012

O LARGO DA PÓLVORA (de Marcos Salvatore)

by unknown




perdão pela confissão...
mas eu precisava disso para relaxar,
já não me sinto tão sufocado.
o problema é que eu não consegui me conter,
mas já ficou tudo bem,
tô relaxado,
é que às vezes as coisas se perdem na minha cabeça
e isso parece que quer me devorar,
sinto sensações mais fortes do que eu,
talvez seja culpa dessa coisa "religiosa" que faço:
andar corajoso e sem rumo por aí
na cama com a pouca sorte
talvez eu sinta necessidade de me sentir um vadio
de vez em quando

reparo numa jovem que esperava alguém
sei lá se esperava mesmo
mas gosto de pensar que ela aguardou por essa pessoa
durante muito, muito tempo
não me parecia diferente de outras daqui
mocinhas com suas bucetinhas aborrecidas da
brasileira família cristã
lírio mimoso
todas casadas com fantasmas de turistas

ela puxa um cigarro de piteira
ascende e quase imediatamente
começa a dançar naquela bruma
enquanto a brisa do pós chuva da tarde lhe soprava o dia
do outro lado da rua
não adivinhava o quê do propósito de tantas mangueiras
tantas sombras ao vento
ainda mais com a água de chuva secando em seu único vestido
colado no corpo

uma vontade de também fumar...
um gostar macio de varrer terra, sentir vento de luz, soprar fumaça
conto as moedas e compro um mais barato... bem mais em conta
depois do primeiro trago descubro o porquê da promoção
fumei mesmo assim, numa turbulência que não deixa estragos
e lá estava eu...
testemunha ocular e auditiva do acidente voluntário

nossos olhares se cruzaram o quê?
uns dois segundos, no máximo
de não deixar em paz
que continuaram sendo
e ela não virou o rosto
nem mesmo quando aquele “Tamoios – UFPA” a colheu pela raiz

quase na encruzilhada do IEP com Manoel Pinto.

ah, Morte
me fala toda essa gente de um jeito...
insegura anfitriã,
que eu entenda

- “atravessou a rua cantando”, alguns dizem.

em Belém não há esgotos, apenas céus abertos.
por isso não demorou para as moscas se juntarem
falavam em morte, em destino, experiências espíritas no fundo de seu quintal etc..
gente linda me dá nojo
como amam, necessitam de detalhes sórdidos
sacrifícios populares

um calafrio de costelas,
como uma lavagem estomacal,
me calou os ouvidos em tempo de resistir contra a cor dos seus cabelos colados ao sangue no asfalto.
limpou meu interior, toda a grama do largo
correu pelas esquinas da praça em ereção involuntária
acordou mendigos em diarreia pré-agônica
gritando, ameaçando abatidos transeuntes
religiosos, cativantes amigos de ombros e copos

todos juntos aqui,
longe de casa

sexta-feira, 27 de julho de 2012

CIDADE, VELHA AMIGA (de Marcos Salvatore)

by Andre Kertesz




Estou jogando ideias fora, escrevendo pra mim, por isso, não me levem tão à sério.

“Belém é o abismo de um inferno letárgico” - Minha caligrafia é péssima - mal entendo; mas consigo me lembrar da caneta atrás da orelha: Tinha acabado de usá-la antes de atender a última porta. Amigas de foda sempre querem na hora, bem quando você pode estar “marromeno” ou “impinimado” com a saudade de ter mais uma chance.
Pensamentos ao portador para um feliz desaniversário. Dia criado para venda de selos e equilíbrio dos perdões. Durante a chuva nem parece julho. Observo formigas lá embaixo e tento rir das mesmas piadas, gostar das mesmas músicas, decorar os mesmos pontos de vista da pequena tribo – é foda, Padre.
No papel também estava escrito “Não perca tempo tentando me perdoar... nunca mais”. E assim começa mais uma insidiosa sexta-feira 13. Festival de um fugitivo no verão. Esquina de praça centenária.
Bloco do Canalha lá fora, mais tarde, mulheres líquidas, greve das universidades e escolas técnicas federais. Fotos antigas da cidade me fazem muito bem. Histórias antigas. Sinto falta da máquina de escrever, dos cinemas de rua: sobrou apenas um. Sinto a falta daquela garota - a gente mal conversou, depois de tantos meses de saborosa ambiguidade.
Minha Caixa de Entrada não traz muitas novidades e o calor me fez tomar dois banhos a mais. Não saí de casa; a musa de Fellini foi a culpada: Giulietta Masina; Gelsomina – tão sem saber o que dizer ou o que pensar. Tão como...
Não sei o porquê, mas comparo este sobrado com um tipo de masmorra. Mas pensar assim simplifica demais e me torna uma pessoa impulsiva. Não sou assim e vou indo. A fome é um luxo de quem só tem uma janela.
The Hissing Of Summer Lawns – obrigado, Joni. Bati uma pra ti mais cedo, mas antes de esporrar lembrei de outra pessoa. Acho que a fatalidade me pegou de jeito hoje e eu juro que não há ninguém em quem posso descontar.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

INVISÍVEL BLUES (de Marcos Salvatore)


by Mary Ellen Mark



então tá meu irmão, é isso aí, bicho
não precisa contar com conversa ou tristeza
com o ovo no cu da galinha

de manhã vem pra casa
e esquenta a sobra do almoço na lata do lixo
mistura tudo num engulho de choro e sardinha

restos de farofa, porrada e garapa
descaminho desnudo de cheirar ou fumar

de esquina em esquina uma criança num sinal
enquanto isso a gente espera o carnaval

eu mal sei direito o que devo ser ou fazer
se sou marginal, invisível
a que preço me vender

- ei, tio, me arruma um trocado em troca de uns órgãos?
aqui tem chiclete, palavras cruzadas
um coração embriagado de fome
minha idade e o meu indigno rabo

um pouco de brinquedo, de história
talhada em madeira molhada, modesta ou sucata

de esquina em esquina


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