domingo, 29 de janeiro de 2012

BESTIÁRIO (de Marcos Salvatore)

by James Ensor

A experiência do amor
Ardia
Pedia ao mesmo tempo
Em que se
Perdia na noção surpreendente
De ter mais para dar
E encontrar seu plural
Dentro de tantos singulares sem valor
Perdia concílio entre os demônios,
Pedia cama para realizar os sonhos
Pedia chão para os joelhos trabalhosos
Ou seja,
Certeza de problemas
E
Fotografias
Lembranças de um tempo bom
Até virar
Corações super postos
De um mesmo pedaço de plástico
Quente e maleável
Ou barco de papel à dois
Boiando em contra mão
Num período de lampejo
E
um coração hesitante
Se jogar escorregante
Finalmente
sobre o suor de outro que chegou
e completar o refrão
de suas batidas

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

NO INTERIOR DE UM BEM MAIOR ou ÁREA DA BAÍA (de Marcos Salvatore)

by Namio Harukawa

SOBRE O INTERMINÁVEL SISTEMA DE APELOS EMOCIONAIS

Um homem e uma mulher...
Gritam à procura de seus verdadeiros nomes
Pelas noites  do bairro do Comércio


Bateria de blues, por favor

Mas existem motivos insuspeitos (amargos?)
Para que relacionamentos existam:
O cinema dos anos 70 é um deles (...)


Mas as separações levam meses.


Terminam em filas de cinema, corredores de teatros
Elevadores, em esquinas ladrilhadas
Dentro de carros
Estacionamentos por hora
Ameaças de gravidez
e-mails não enviados, ou lidos
redes sociais


ESTA É A CIDADE DE BELÉM. NÃO MEXA COM NINGUÉM!

Acordei chorando e com o pau vermelho, ardido
Penso: - “Outra briga”.
Havia algo quebrado na cama, porque eu não conseguia levantar
Talvez fosse o amor me aleijando de vez.

Amor?
(...) – “Está falando daquilo que sentimos pouco antes de percebermos que gostamos de alguém?”
Mas o amor é o ganha pão de muita gente.

Bandas de axé, pagode e forró geram dor de cotovelo em massa
Por causa de sexo e dinheiro
Definem um tipo certo de bunda, de seio, de cor de pele
(...) de preço na lata
Atitude jamais, cruz em credo, existe o Círio, pagam bem

SUPONHO QUE O CARNAVAL SEJA MAIS ATRAENTE

Olho para aquele tamanho suculento e cansado de bunda
E penso, altruísta, comigo:
- “Continua gostosa!”
Mas me senti numa piada do Costinha:

“Me cantou três meses para...”

Ela me percebe acordado
Vira-se
Seus vinte e dois anos me flagram tendo medo
Diz, jocosa:

- “Pega minha bolsa. Pega.”
Ali, naquela coisinha, em cima daquela coisinha.
Penso: - “Coisinha é o caralho!”
Minto: - “Não te comi por dinheiro.”

- “Achou minha buceta uma bosta?”
Minto: - “Não tenho raiva de você.
Apenas não tenho mais nada a dizer.”
- “Toma. O dinheiro do aluguel” – ela diz.

Ouço um pouco de choro tenaz enquanto visto a calça amarrotada:
- “Você nem me beijou” – ela se queixa, detalhista, como sempre.

O resto veio num estalo:
Começando pela guerra dos sexos e os direitos civis.

Penso em Augusto dos Anjos,
Penso no movimento feminista mundial,
Penso nas dietas, no voto secreto, rock’n’roll psicodélico,
No esperança socialista e boa praça,

No povo brasileiro, violento por natureza (nas novelas, não).
(...)
Mas não entendo nada disso.

Portanto,
e pela primeira vez,
respondo sem temor,
coçando o braço direito:

- Fiado só amanhã.


segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

FÓSFOROS (de Marcos Salvatore)





(...)

Onde ouvi isso? Não sei. Pode ter sido um truque auditivo, resquício selvagem dos sucessivos pesadelos daquela semana. (...) Não sei falar sobre isso, mas ando sem casa; esse texto também. Quero apenas que vocês se lembrem dos primeiros acordes de Summertime. Apenas pensem neles e não precisarão ler tudo.
Não percebi a cerveja fazendo efeito. Talvez tenha coincidido com uma vontade lasciva de fumar, somada à constatação confusa de que já passavam das duas - minha mochila estava escondida atrás de um freezer, para secar, tinha pego muita chuva da tarde, também com o fato de que minha grana dava selado para uma van, acompanhada de um completo da tia Roxita, na rodoviária.
Uma mensagem:
- Sal, se não me ligar não te dou mais nenhum tostão. Vai ter que se humilhar. Você não sabe com quem mexeu.
Respondo:
- Acredite, ou não, Baby, isso faz sentido pra mim.
Boiúna lotado. É possível lembrar de uma música, sem lembrar da letra, ou da melodia? Apenas vejo o sorriso da Rosa começando o show com um som fabuloso, mas não identifico aquilo, sentado na janela da frente, apenas quero. Antes do sol nascer exasperado e me flagrar ainda esperando, ainda.
Lá fora, dois flanelinhas tentam se matar com paus e pedras - Belém é a cidade mais violenta do Brasil, mas em todo caso teremos a Ivete no aniversário da cidade (a Gaby no dia seguinte), onde será consumida perigosamente mais e mais da nossa própria cumplicidade.
Um tiozinho, whiskeado, se vira e me diz: - “Ih, uh. Ó, tu queres saber da verdade?”
- Pelo amor da puta merda. Me diga que dá pra comprar parcelado.
- Ontem foi a mesma coisa. Ah, ah, ah, ah.
Preciso botar o pau para escorrer. Algum animal jogou um copo na privada (suspeitei do tio fumadaço). Aponto o jato quente e ácido para a parede, atirar, demarco território desenhando a letra M, de “mó deprê”: “a mesma coisa”.
Na porta do banheiro feminino uma mulher chora com as mãos espalmadas sobre o rosto. As amigas consolavam. Jamais saberei. Seus olhos me lembraram de alguém e de todas as conversas difíceis, de todos os ombros dados em detrimento da suposta liquidez da razão. Tarde demais para entender como é bom, às vezes aceitar o engano cometido e assumido. Sem querer, me lembro de roer as unhas, mas desisto ofegante, me pego mentindo numa intimidade terrível. Não quis entender que não deveria estar ali.
O celular:
- Oi, Amor. Você já vem?
- Daqui à pouco.
- Mentira. Você não chega. Não me liga nem pra saber se eu morri.
- Baby, eu sei que você não morreu, mas precisa parar com esse negócio de TV. Choradeira é coisa de novela mexicana.
Chegam Ageu e Hipátia. Abraço meus amigos como irmãos – gosto pra c.. deles. Automaticamente procuro por uma conhecida dos dois: ando louco por suas fotografias coloridas, suas artistagens combinariam maravilhosamente bem com meu jeito de escrever em preto e branco. Quando minha cachorrinha (um Rottweiler) morreu, desabafei com ela pelo face. Deve ter me achado inevitavelmente sem noção.
Rosa canta Gonzaguinha, depois, Vento de maio, mulheres de Touro me fascinam com seu inverso atraente, de beleza organizada e séria. Sexo. Os opostos só se atraem quando o dia seguinte for de paz.
Alguém me pergunta se eu tenho algo contra os anarquistas:- “Sim, eu tenho!”
Todos se viram, quase o bar inteiro: - “O que?”
- Bom, acho que eles não lançam nenhum disco faz um tempo.
Muita gente dançando, se abraçando: - Oiiiiiii!
- Fabio, de quem é essa música? – Vila, me arruma um careta. Tem fósforos? – Isqueiro.
Lá fora eu sinto a noite. Um casal atravessa a rua brigando, chegam a calçada, ela o empurra, ele abre os braços pra o céu estrelado, grita alguma coisa, ri, não para de rir, ela se enfurece e avança para ele... o final vocês já sabem. Voltam, passam por mim e ouço: - “Você é mau pra mim.”
- Sabe quem é aquele? É o fulano de tal!!!
- É?
Conhecidos e desconhecidos por metro quadrado se atropelam em confissões sócio-econômicas. Batatas fritas, adoro batatas fritas, mas a porção é quinze contos. Dá pra tomar um porre com quinze contos. Dá para tantos maços de cigarro. Tantos x-eggs-presunto, no Oficina. Uma hora de sexo escroto no Vermelhinho de São Braz, ou talvez, quem sabe, um táxi até a casa da Cilla: eu bateria na porta, pediria para ficar... e depois, ela chorando mansinho, chorando, enquanto arranco suas pétalas.
Uma mensagem:
- Vai te foder!!!!!!!!!!!!
Respondo:
- Acredite, ou não, isso faz sentido pra mim.
Sou um bom sujeito, mas também um tímido de obtusidade agressiva, me apaixono rápido por raparigas de sexualidade objetiva, portanto, meio cigarro depois abro demanda para uma concorrência imparcial entre o Cosanostra e a Locô, meu amigo Febre, que se diz cigano, tem desconto em ambos, quase usucapião do canto esquerdo dos balcões.
Meio trago depois concluo que o porquê de tantos bares espalhados em pontos estratégicos é apenas o fato de que algumas pessoas odeiam voltar para casa, mas adoram bares espalhados em pontos estratégicos.
Numa conversa alheia, um eleitor inscrito pergunta para outro eleitor inscrito: - “Tu vistes a minha fêmea? Cadê a minha fêmea?”
E o outro: - Tá logo ali, atrás daquela árvore.
E segundo ele: - É melhor que ela esteja mijando ou não vai ter ninguém pra pagar a conta.
Não que eu seja politizado, mas estupro combinado em rede nacional gera opinião pública e um comandante é o primeiro a abandonar o navio. A polícia está em greve. Percebo um corpo sem calcinha embaixo de vestido colado na pele suada. O corpo se aproxima, e talvez um sorriso, mas desiste ao notar a ausência pendurada das chaves do meu carro.
Lá dentro, o orgasmo, a glória e o prestígio dançam em busca de resposta, assim como eu.
O celular:
- Amor, não briga comigo, mas acho que tem alguém no quintal. Tem alguém brincando com o cachorro lá fora. Sei que está brincando por que o cachorro sempre chora quando está feliz, e ele não para de chorar. Aí, ele ganha a confiança do cachorro, dá um jeito de entrar e me come na marra. Consegue imaginar? E eu estou praticamente nua: sem calcinha, bucetinha depilada, cheirosa, biquinhos do peito durinhos. Amor? Se você não vier eu acho que vou deixara a porta encostada. A noite está tão linda lá fora, podia sair pra dar um passeio também. Por que você não vem pra casa? Amor? Amor?
Um tremor soluçado e humano me domina os olhos apertados. Respondo apenas isso:
- Baby? Seu quitinete não tem quintal. (...) Nem cachorro.


Atenciosamente,

Sal.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O PONTO CRUZ (de Marcos Salvatore)


É assim que eu sou
Você não é

Nem vou ficar te alugando
Ando desapegado
Não é assim, que se diz?

Abnegação
Altruísmo
Desambição
- Deveria ser mais fácil

Lá de não sei das quantas “nunca é tarde demais para começar tudo de novo”
Detesto fazer citações sem nome do autor
Mas não o conheço

Lá na rede todo mundo tá feliz
Tantas Bad trips,
Altas presenças suculentas
“Não sei das quantas”

Cosmogonia luxuosa
Cama pobre e tosca
Catre intenso de acordos escusos
- De que noite dessas eu saí?

E a cidade está confusa lá embaixo
Fascinada pelos detalhes sórdidos
Ponto cruz insipiente
Circo social, indigesto

Me assusta
A mim,
Forte no amor
Protegido sem querer

(...)
Mas só consigo dizer isto, agora, digo mesmo:

Estou em casa
Que é onde você devia estar
Não é longe, quase outro país BR adentro
Venha, se quiser

Porque somos o mesmo tipo de pessoa largada
Tenho vinho...
Alguns enlatados, macarrão no alho e óleo
Instantâneo

Eu tô aqui
Venha mais tarde


 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

NADA DEU CERTO (de Marcos Salvatore)

by Jan Saudek

Quero te beijar um dia.
Um dia.
Um dia.
Um único beijo, insano.
Depois...
Depois...
Uma única noite
Única, sim.
Depois de amanhã
Outro dia.
Outro dia.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

CHUTANDO MANGA (de Marcos Salvatore)

Eu tiro sarro, mas amo essa cidade. Amo minha família, meus amigos, as mangas que eu chuto madrugada adentro. Todo dia eu penso em cair fora, mas então me lembro da Dona Raimundinha, cabocla negra, minha vó, me catando as lêndeas urbanas. (...) Aí, é f..., bicho.
 
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...