quinta-feira, 24 de setembro de 2015

COMERCIAL DE SANDÁLIAS



Tarde à beça. E aquele comercial do professor bicho-grilo, sandália e bolsinha de couro, estereótipo típico da personagem “mundo melhor/tadinho de mim”, sendo aplaudido por açougueiro, padeiro e o escambau, no caminho para o trabalho, é um inigualável LIXO (!). Até parece que tá tudo em cima com a Educação: infraestrutura, qualidade, inclusão, merenda escolar, salário dos professores etc, e que o problema dos professores é o povo. As pessoas não entendem que aquilo é uma CENSURA, caralho. Aquilo não foi criado para homenagear os docentes, nem semear o amor aos mestres, longe disso, foi (em) bolado na intenção capciosa de manipular a opinião pública e dizer que a pátria educadora é uma mãe, que os professores SÃO valorizados à muque, à tiro de borracha, que o brasileiro é um ser extraordinário e por fim convencer que aquela TIPO de figura é que é o confiável. Todos os que não se parecerem com ele devem inspirar desconfiança. Estaremos feitos. Detalhe: aquilo foi pago com o mesmo dinheiro PÚBLICO (grana dos nossos impostos) que deveria, este sim, estar pagando direito os professores. Universidades em greve, Correios em greve, INSS em greve... E o Governo tirando o seu da reta com mais e mais propaganda do “brasileiro esperança”. É o poste ditador mijando na cachorra prenha. Se é que vocês me entendem. Bem pesado e bem medido, não passa de um comercial de sandálias. Já vejo, por aí, uma rapaziada, podre de antenada, se vestindo igualzinho ao cara. Peguem suas senhas para as filas de pasta de dente e papel higiênico. Bem vindos aos anos 70. Lembrando que TODOS os governos fazem isso há muitos anos: nos tratam como gado e se livram do fragrante com muita autopropaganda. Entre ladrões não há heróis.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

NAU ENTRE OS LÁBIOS (de Marcos Salvatore)

Jan Saudek



lá fora
a lua brilha um pouco mais
enquanto eu deixo
qualquer fase lá estar
são três horas
até onde posso lembrar
que você já foi embora
não deveria mesmo ficar
me deixou café com pão na mesa
beijou meu mastro bem abracadabra
hasteou minha bandeira
mesmo perfume, mesmo gosto de boceta
amanhã vai ter sol
com aumento de nuvens pela manhã
pancadas de chuva à tarde
e à noite
e juro que queria
que o balcão desse bar
fosse suas coxas
suas ancas, suas costas,
os seus peitos de pomba
lagos aureolados em tons
de rosa e lilás
pra me afogar
posso até imaginar
e a tinta da caneta
tivesse uma gota
de leite do seu seio direito
aquele um pouco maior
que o esquerdo
e que a esferográfica
fosse o meu pau
te desenhando
fosse uma nau entre os seus lábios
entre os seus dentes
dependentes do anseio da mandíbula
a superior e a inferior
cabeça, tronco e membros
unhas combinando com seu branco de pele
castanho dos olhos
e que esse poema fosse
a pique a estibordo
como moby dick
de encontro ao casco do navio
som do meu rock mais primal
perigoso, banal
quem é você quando me toca?
está brincando de quê me olhando assim?
tatuando meu nome em seus espaços vazios.
depois do seu plantão, depois de horas
depois da lua lá fora
depois da carne até os ossos
entre o pescoço e o dorso
agarrando os seus cabelos
mais longos, mais firmes
como uma crina loira
enquanto eu te cavalgo na corrida
as mãos dadas, as mãos dadas
as mãos, as m... (...)
m... (...)

MADREPÉROLA (de Marcos Salvatore)

Raymond Depardon


 
Quase acordo com uma ligação do Fabio, um dos meus companheiros de pena. Não percebo um corpo ao meu lado, nem os seios imensos, nem seu ronco alcoolizado. Não consigo atender de tão bêbado. Não retorno, pois estava sem crédito (como sempre).
Um detalhe sobre o Fabião, é que ele é como um protetor de todos nós. Supra sumo do bom sujeito. A benção, meu irmão.
Tentei lembrar como consegui voltar pra casa – fiquei devendo um conto pro Maurão, mas amanhã eu pago. Ontem ganhei um “protetor auditivo em tamanho único”. Foi a primeira coisa que ganhei de uma aluna em tanto tempo. Ainda não sei pra que serve - deve ter sido uma indireta, pois vinha com uma camisinha de brinde. Aposto que vocês pensam que eu vou descrevê-la como um negocinho; pois é, não vou (mas que ela tinha um par de coxas... hum! Isso ela tinha).
Cada presente é uma coisa qualquer que não conheço, que me confunde. É um momento do avesso. Tenho uma timidez agressiva. Mas como eu dizia:
Ônibus vazio. Eu, eu mesmo e a mim. Motorista, cobrador. Uma mulata “boca de ferro” subiu no ponto seguinte. Sentou ao meu lado, mesmo existindo lugares vazios à vontade. Lentes de contato, cabelo loiro, unhas grandes (duas quebradas), pintadas com árvores de natal.
Tento dormir, mas o perfume amanhecido não me deixa. Um cheiro de suor velho exala dos seus peitos generosos. Os bicos profissionais só faltavam furar a blusa - quando eu era moleque, transei com uma coroa parecida com essa, que bebia perfume quando estava na fissura. Chupava por cinco contos (xota era quinze); promoção de feriado: “barba, cabelo e bigode”, vinte e cinco pratas. Toda vida se engasgava com porra. Trepar com ela era chocante: meu pau sempre ficava com um cheiro de alfazema ou jasmim.
Antes, no bar, me toquei que já eram três e vinte: - “Preciso estar no trampo às oito”. A embriaguez é um coito sem ejaculação. Acho mesmo que, de vez em quando, eu recomeço o recomeço disso. Vai ser vagabundo assim na puta que o pariu!
Uma moça (linda, linda), se aproxima e me pergunta: - “Aquilo que você escreve. É tudo verdade? É mesmo?”. Também gostaria de saber. Tenho andado sem controle sobre isso.
Não tenho tempo de responder – nem tempo de decidir se queria responder, pois ela logo em seguida me pede: - “Escreve pra mim? Escreve?”.
Pego um lenço de papel e escrevo: “Tenho precisado de alguém pra dividir um cigarro, uma guimba, um pouco de vida... um prato de comida”. Assino e entrego. Vejo seu colar e me lembro dos monges que colocavam imagens do Buda dentro de ostras.
O Marlon sempre dá o gancho: Política, poesia, cinema, putaria - que bom que a gente se entende. Bernardo e Heloísa também foram mencionados. Esse cara é um Augusto dos Anjos com melhores modos.
Tenho fé nos olhares tristes de quem nos percebe tão sem nós pra desfazer. Seja quem for, mal sabe dos nossos dias partidos. Queria muito ter um sorriso generoso, como o do meu Brôu Maurício. Sempre de bem com a vida e com todos.
Bar da Toca outra noite: mesa cheia, som, amigos – um casal valsa ao som de músicas tristes. Olho para eles - olho bem para eles. O amor é gerado por cenas como essa. Não deixo de me perguntar de onde venho, onde estou. Me visto com os andrajos de uma vida baldía. Temo o frio e o calor em demasia. Por isso bebo só pela fantasia. Vítima espontânea das tatuagens feitas por cima das camisas.
Sentia falta de mijar fumando – miro o jato quente num pentelho abandonado: “Errei, porra!”. Associo sensações parecidas: mijar, cagar, espirrar e gozar. Tive uma namorada que era doida pra me ver cagando:
- Amor?
- Tem gente. Que foi, porra?
- Ah, me deixa ver se afunda ou se fica boiando. Só um pouquinho, vai?
- Inferno! Sai de trás da porta, mulher! Que novidade é essa, porra?
Filha da puta fazia de propósito: deixava a porta aberta, insistia, insistia, me forçava a ver, até que, por fim, aquiesci a seu alternativo plano de realidade. Um amor fecal, desinibido, despudorado, despecado e alegre. Um dia ela tentou me matar. Mas isso não interessa. Por isso sou fã de Nina Simone. Não sei falar sobre isso.
Quando descemos o túnel do Entroncamento (que merda!), a Rê Bordosa ao meu lado resolve desmaiar e babar no meu ombro. Senti meu porre triplicar nessa hora. Antes disse: - “Me leva pra casa contigo, Bem? Me deixa te chamar de Bem?”. (...)
Tentei lembrar da farra:
Não é difícil amar a rapaziada do bar: todos eles chovem, fazem sol. Tenho a impressão de poderem fazer crescer pernas, braços e olhos num pedaço de pão mofado: - “Com memória afetiva não se brinca”, já dizia a Eva.
Lembrei de um sabonete que, segundo as informações de embalagem, “tirava o medo”. No verso, um detalhe “de foder”: “Essência sólida só para queimadores”. O Renato achou genial. Quase compramos, mas os trocados só davam pro cigarro, então, entramos no carro conformados e saímos cantando letras erradas dos Beatles.
Grande Aloísio. Tem uma camiseta mágica (lembrei agora do flautista mágico), a que só usa quando está a fim de aprontar. Uma camiseta que enlouquece as mulheres em volta. Certa noite o The Beatles quase fechou por causa dela.
Caio da cama com um cutucão da Rê Bordosa. Olho assustado e ainda a vejo coçando os pentelhos com uma das unhas quebradas. Engatinho até a porta. Entro no banheiro, me ajoelho em frente ao vaso sanitário e, antes de rezar... choro.
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