segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

ABRIGO N° 1 (de Marcos Salvatore)

by Andre de Dienes

Por que me olha assim?
Por que fica?
Por que divide a sua comida, o cigarro, a bebida comigo?
Por que atravessar a cidade na chuva pra isso?

- Imagino que seja esse o meu caminho.
O meu destino.
Eu moro aqui.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

BRISA (de Marcos Salvatore)

by Sara Saudkova

(para Baby Suporte – Natália Lemos. Você pediu, aqui está, sem eira nem beira)

Mas meu irmão, a Brisa não se cala, não para de me acabar, de ser feliz
Quer que eu diga coisas que nem ela diz, só sabe amar e curtir
Me escraviza em seu tesão, só me dá dando no chão
Aos seus pés, amarrados meus braços, pernas, minhas mãos

Se perdeu pra sempre na canção, se agarrou a mim em seu caminho, sem perdão, sem dever
Quer meus ombros pra se unir ao amigo incestuoso que sou, a um irmão
Minha voz de menino para dormir, não sei dizer não, não sei ser ou não ser
Me beija, me abraça, me casa, a Brisa me dá comida na mão, é toda minha

Me dá força e coragem, experiências em latim, me bebe a saliva, me dá provação, proteção
Mordendo e arranhando à carne viva, me carrega em seu ventre
Põe o labo B de um disco ok do Lupicínio, bom para felação
Quer que eu a mastigue, quer que eu a goze junto com seu choro e capricho

É meu consolo, meu interior, é o que eu sou capaz
É minha Yoko Ono, meu curso superior, meu pouco de paz
Meus acordes que se unem, é o amor
Minha Nina Simone, minha Joni Mitchell

Me senta as costas com seu cinto de sair, para que eu me zangue e soque forte
Tem a tara fecal de comer gala com comida, “porra Brisa, o que é isso?”
Não me joga fora nem quando está cansada, me pinta com cores vivas, pomba pra cima
Me dá leite do peito para a sede se eu pedir, se eu pedir muito, se deixar

Cicatrizes pelo corpo e na alma me deixam confuso e sem par
E a calma que não cansa, nem poupa, sobrou arrastada pelos cabelos onde não há norte, nem sul
Pois a Brisa arrancou meus pêlos, um a um, de leste a oeste, a barba por fazer de super homem
Em seu poder minha língua, meus pentelhos e dedos: hímen de tocar baladas

Me pinta de Bozo para uma boa sodomia, me chupa se eu broxo,
Quer meu creme em seu rosto, bitoca no seu nariz
Vai rir sem parar se eu pedir para ir embora, eu garanto, ela diz: “pode ir”
A beleza é uma exceção entre opostos, eu prometo, eu avanço

Não me fale dos riscos, já sei das noites caladas e brancas
Que é tudo muito lindo, muito lento e sem paradas, paredes ou intentos
Mas prefiro o que quero não o que imagino querer
É tudo culpa da dor, peço perdão se não me entende

Eu não bebo, eu não rango, mas meu pau conhece os planos dela, apenas confia nela
Estou à vitaminas e tequitos de frango à semanas
Salvatore sem fogueira para queimar, sem incenso ou confissão
Imenso de fogo, de terra, de água e de ar, de magia do amor para dar

E a soma disso sempre muda de ângulo, de firmamento no mar
Eu a temo, eu a amo, eu a odeio em nossos momentos
Eu a quero por ser a assim e a mim, no gerúndio e no presente
Só quem ama me entende e tem alguém pra cuidar

MARTA MORTTA BLUES (de Marcos Salvatore)

by Erwin Olaf

- num sô doida
você não tem noção
de como estou me sentindo
de como ando toda assim
de mão beijada

bêbada
vendo o corpo para me consumir
vou tentar me perguntar
um porquê que não adivinho
de transar com quem quiser
me amar ou pagar
uma taça de vinho
mas vou dar a volta por cima
eu vou me cuidar
me levar para outro lugar
isso é o suficiente pra mim?
talvez não, quem sabe?
eu sou controversa, eu grito,

só sei assim
pavio curto, eu sou péssima
busco prazer em bocas e tatos
de arte e cultura – eu admito.
depois me enturmo com os ratos
teoria pura, fardo leve
de mesura gasta, obscura

de preencher qualquer espaço
essa batalha é só minha
- por que tem sempre tanto a dizer?
sou uma recriminação passageira
papel higiênico usado
para escrever conjecturas indefesas
tenho desenhado você
em letras carmim,
nas paredes dos bares da vida
poesias te chamando de querido ou querida,
com palavrões de transa franca

- doida é o teu xiri!
venho esperando por caronas de lugares vagos,
amantes ou amigos que sempre me ofereçam um trago
você me ligando, implorando
sem dor,
nem dívidas,
apenas pensamentos claros
só que eu cobro mais caro
você não
- a dúvida morava somente em seu perdão
e o meu te guardava
sempre uma nova canção
maliciosa,
perene,
inútil,
destra suja;
eu me lembro,
eu voltei,

eu voltei,
eu voltei...
eu falo mesmo,
mas exijo
quer mesmo saber?
se não quer e não sabe,
eu não digo,
ou melhor
vai te foder,
vai mesmo por esta,
eu insisto e não calo

há essa hora
atrás dessa porta

- "num sô doida"
só não quero lembrar

que você foi embora

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

ALEGRIA DO FALO EM SUA LÍNGUA (de Marcos Salvatore)

by Irving Penn

Aprendi a gostar de dias imperfeitos
Quando é assim, sempre pego meu violão e retorno ao truque
Esperando pelo dom, pelo som, por um abutre
Mínimo múltiplo comum de um irmão

Pela mulher de trastos e acordes de aço enferrujado
Acentos agudos em espaço um da máquina de escrever
Biotônico estelar, milenar, cavalar
Que faz da gota de leite pendida no bico de um seio um compasso

Não me ofereço sem lutar, sem ter sido escasso
Sem ter ido mais fundo e em falso, meu bem
Meu coração de sete notas menores viaja
Sem troco e talento de cobre, sem bolso, sem preço ou vintém

Sustenindo seu tronco em minhas mãos
Das minhas letras penetrando suas ancas de dedilhada, incestuosa mãe
Ainda não falo em sua língua, meu crocodilo não chorou
Mais azougue escorrendo dos meus dedos para sua boca

Sua cura é a comida pra essa fome de camponês urbano
Só o que tenho pra te dar em exagero é o que eu tenho pra te dar
Ninguém é forte bem alimentado de ilusões
Estou onde posso estar e ser, sem favores para dever

Quando posso esclarecer que sangra onde tive outrora asas
Penas arrancadas pra escrever certo entre linhas tortas
O toque da doce fêmea esperando pelo sal
Do amante rude e imprudente

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

NÃO TEM NADA DEMAIS (de Marcos Salvatore)

by Arthur Fellig "Weegee"

Você não quer beber, não quer falar
Não quer fumar porque está desempregado
Isso te faz beber o caldo calado e sonhar
Com aquele emprego no estado

Isso não é sua vida últil, não é o fim, não é azar
O barato da neura é a paranóia que dá
Não tem nada demais em contar as moedas num bar
A gente ainda pode estar e beber lá no Bazar

Até o dia em que você se toque
E não queira mais viajar para outro lugar
Nem saber do Bigode, meu amigo, eu juro que juro
Que te dou um toque pra um próximo concurso público

Mas se continuar com essa cara
Eu te canto um som do Sérgio Sampaio que ninguém resiste
Pra sambar por aí, prisioneiro solto na patifaria
Naquele Carnaval de varar, de alegria, de noite e de dia

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

PURA IDADE (de Marcos Salvatore)



O broxa Ano Passado acordou descalço e chapado
Pegou sua mulher pagando um ket no Ano Novo
Encheu-se de dor e matou a si mesmo.
Caiu com a cara enfiada no ralo.

Encomendo agora a sua alma

Aqui jaz
Terra à terra
Cinzas às cinzas
Pó ao pó

Etc. etc., e é claro, etc.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

PONTO SUPRA-EXTERNO (de Marcos Salvatore)


 I

Baby, me ouça contar tudo
Estou com isso preso na garganta,
Como um pomo-de-Adão
Me soletrando as sílabas

Senta aí, depois cala essa boca

II

O proveito da terra
É a serventia do pão
E eu me pareço com meus erros
Toda vez que deixo passar meu coração de mão em mão

Preciso de um porre que coincida com a perda de tudo
Com a falta de vergonha na cara até de chão pra me jogar
Não existe palavrão que não tenha sido dito - isso eu posso assegurar
Brincadeira tem hora certa de parar e a gente estaca

Um em frente ao outro
Respondendo, reagindo, atacando

É difícil acreditar em tudo
Depois descobrir que nada é importante
As pessoas se contentam em seguir adiante
Depois do sinal verde, irrelevante

III

Está tudo em cima
O cigarro, o lugar e o vinho
Uma mesa de vidro suja
Em cima o perfume que você usa.

Que seja assim para lembrar

Toda noite eu te procuro e te envolvo
Me sento, me finjo de morto
Me ponho em seu colo e choro

Eu te agarro, e te levo pro bar.
Depois te deixo com a conta pra pagar

Foi você quem quis assim - eu te avisei
Assim não há ninguém que aguarde
O meu amor é assim, se deixa levar.

Mas sou teu amigo sem cobrar
Esse lance de idade suja a barra pesada
Do que eu sinto por você
As tuas coisas, os teus peitos, a tua boca

Só me dão prazer quando eu cobro
Você é a mulher do meu mundo evanescente

IV

Porque o dia nasceu,
Tem mais gente nas ruas,
Alguns em cima da hora,
Outros dando em cima de alguém.

De que vale a sensação de coisa inteira?
Deve ser pra se fechar, se ignorar
Ou então pra terminar o que se começou.
Pra se abraçar ao beijo que ainda não rolou.

V

Talvez você já desconfie
Mais ou menos como uma letra ou quatro
Que sempre cabem num melhor lugar
Bem felizes por mostrar o que se sente

Estou complicando demais, pode crer
O que eu tenho pra dizer é bem mais simples
Não é difícil de se ver, mas de dizer
É um sentimento bonito, arborizado como um bairro antigo

Mas quer saber de uma?
É melhor não dizer nada.
É preciso viver o gosto.
É preciso viver.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

BREVIDADE (de Marcos Salvatore)

by Bernard Plossu

Meu amor,
Vou chegar tarde, mas me espere
Não se importe com as horas, por favor
Fazem parte do tempo e são ingênuas

Prometo tentar não me perder
A tarde choveu e os carros enlouqueceram
As pessoas correndo na pressa
E eu tentando voltar pra você

Tão difícil encontrar os atalhos que sobraram
Tenho a impressão de tê-los fechado para sempre
Mas sobrou um pouco de fôlego pra correr agora
Não se preocupe, eu estou bem

A vontade é o combustível do desejo
Guarde um pouco de sorriso
Desarrume o que está bem arrumado
Depois a gente dá um jeito

O melhor de estar feliz, desastrado
É a esperança de nunca mais ser infeliz
Nunca mais se preocupar com embaraços
Nunca mais esperar, nem demorar




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