segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

WAGÃO E OS COTONETTES (de Marcos Salvatore)





 
Sou acusado, e com muito gosto, de ser “hiperbólico”. É porque a censura, hoje em dia, é cor de rosa, mas isso não importa, não interessa.

Até gosto do arrimo, mas, foi uma coisa que não fez nem quatro anos: - “Peraí, Vila. Marcha à ré, ô Rapá!”.

Estávamos ouvindo Tom Waits, anos 70. Ou era Ben Harper (ou Jorge Bem)? Me senti menos cego, menos Manimal.

Uma piada atrás da outra. Esse foi o ponto gravitacional até dobrarmos numa mão única.

Depois de quase atropelarmos um pastor evangélico – mais parecia um Pai de Santo, com suas pastoretes (mulheres deliciosas), ele: - “Vai tomar no cu! Eu, não vou mais pra caralho nenhum. (...) Mas, por quê?”.

- Não sei, volta pro Beatles. Preciso ir. Vamo lá, porra. Algo me diz para fazer um get back. Preciso remasterizar minhas intenções de hoje. Ainda estou na ativa, embora tudo seja um pouco fantasia.

Fiz disso uma vinheta sem sentido e ele acabou me dando a carona, vencido pelo meu acréscimo de dados etílicos.

Deveria fazer uma pausa para dizer que, naquela noite, o Bigode do meu Tio se reuniria pela última vez (meus irmãos com o Sagrado).

O fato é que uma vontade incontrolável de tomar uma saideira no Jurunas se instalou, solidamente, no meu nauseado coração.

Poderia ser fome de cultura pop ou de rockão esperto (ou uma necessidade de ser higienizado partidariamente), ou vontade de encontrar alguém para ir dormir.

Limão com cachaça postiça? Mistura fina? Aquele lado B, bem pedra? Não, era outra coisa.

E estivemos lá, uma ou duas horas antes.

Depois, o Boiúna: - “Oiii, tudo bem?”.

Alguém cantando Djavan parecia babar: - “uh, açaí, guariroba...”.

Aliás, todos os arquétipos anacrônicos que regem a vida, passam por lá. Acho isso meio pré-menstrual ou pré-TPM administrativo. Não vem que não tem.

Não gostaria de mediunizar um dos encontros mais importantes da minha vida, mas, Vila (eu chamo o Marlon de Don Vila) me deixou na esquina da Bom Jardim e, com aquela candura brôu, que lhe é peculiar, finalizou: - “Te cuida, aê. Ah, e se tu ligares e colar de eu estar acordado e não atender, é isso mesmo”.

Grande Vila. Choramos ao ler Pedro Bandeira falando de um Plínio Marcus vivo. Vivo!

Leiam “AS HORAS TODAS DA CARNE”, que o Marlon lançou. É uma reflexão sobre o amor, a morte e o abandono do ser humano brasileiro.

- Marcos, Marcos! Aqui!

Era eu.

Pirei: - Quem? Onde? Quando? Ninguém entra, ninguém sai. Quem matou Odette – o melhor cu da praça?

Trezentos e sessenta graus depois, vejo aquele casal, com um sorriso abracadabra irresistível, acenando pra mim. Me viram uma, quem sabe duas vezes por ali. Foi o bastante.

É claro que eram a Gleice e o Wagão, fazendo o maior escândalo (e sem me conhecer). Eles nunca precisam saber quem as pessoas são e, sim, como são.

Amizade instantânea, para sempre.

Foi um (a) polaróid - e nem sei o porquê de ser um (a) polaróid. Se eu pudesse dar uma trilha seria “No Expectations”, dos Stones, com slide guitar do Brian Jones - uma das últimas gravações desse pisciano que se fodeu por viver demais.

Colonizamos o lugar. E o João, dono do Beatles, se virou nos trinta pra tocar o que nos deu na telha.

Eu, que “não amo ninguém, parece incrível...”, engolia a música do Cazuza à seco, apertava o meu cinismo reativo entre os dedos, estrofe por estrofe, á medida que os dois me acolhiam em cumplicidade – me jogo do vigésimo andar por uma pessoa boa. Admiráveis demais para ser verdade.

A primeira coisa que percebi foi a falta de “fake” que eles mostraram. São pessoas que não armam. Não emulam cultura, nem ideologias broxiudas. São autênticos porque estão na contramão dessa coisa malandra e diligente que as criaturas da noite proliferam (com raríssimas exceções, que graças a Deus, eu conheço): o papapuêra de boutique, chuta-manga, mijão-de-porta.

São roqueiros. O que pressupõe inteligência, paudurecência, jovialidade e humor.

Nos confessamos mutuamente por mais ou menos umas oitocentas horas, desde então. Nossas crueldades similares encontraram eco pelas madrugadas. Quando não vou, ficam putos (ela é a Sininho má, do universo alternativo da chantagem emocional). Mas eu caio porque gosto muito deles.

O autoconhecimento coletivo passa a bola para o ser objetivo, para o indivíduo mente aberta. Essa é a banda que pensamos em montar (e sem edital do governo, sem bolsa cultura).

Já tentei ficar longe deles uma centena de vezes. “Mas, por quê?”, perguntariam.

Talvez porque o amor e a amizade verdadeira sejam um pouco assim mesmo: assustadores. Ou a solidão seja um vício esquisito, um presente contínuo assedioso e contumaz. Medo de perder – é preciso ser muito escroto pra pensar assim, mas penso.

Numa época em que temos que ser muito loucos, ou muito profundos, rebuscados e politizados (filosobóides), conhecer pessoas como eles, que transmutam o conceito de simplicidade em algo real e que não desistem de você, é uma sorte. E até alguém como eu sabe que isso não se encontra em qualquer lugar.

Eu os amo. Good morning, good morning.
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